Natal do Rio

 

O Rio de Janeiro não ganhou apenas um novo evento. Com o Natal do Rio, inaugurado no sábado, 30 de novembro de 2025, na Enseada de Botafogo, a cidade reafirma uma ambição rara: transformar o fim de ano em um ritual metropolitano capaz de devolver ao espaço público um brilho compartilhado. Ali, entre o mar contido e o horizonte recortado pelos morros, a proposta de celebrar a convivência e a estética urbana parece encontrar seu terreno natural, um gesto simbólico, estratégico e, sobretudo, generoso para com a cidade que insiste em buscar beleza mesmo quando os dias parecem contrariá-la.

A árvore flutuante, erguida em seus 80 metros de altura e construída em Niterói antes de cruzar a Baía de Guanabara sobre uma balsa rumo à Enseada de Botafogo, não se apresenta como concorrente de tradições religiosas, mas como emblema de outra narrativa: a de que grandes cidades podem e devem produzir experiências culturais capazes de reunir sem excluir. Sustentada pelo trabalho preciso de seus idealizadores e executores, ela parece costurar as margens ao se deslocar, primeiro sobre as águas, depois sobre os olhares. Seu brilho, composto por milhões de LEDs, não é transcendental; é urbano. É gesto de design que equilibra monumentalidade e delicadeza, capaz de ressignificar um dos cartões-postais mais icônicos do país sem recorrer a exageros cênicos ou ao sentimentalismo fácil.

A curadoria musical e a dinâmica de circulação tentam dialogar com a cidade de hoje, buscando mais do que entretenimento: procuram ativar o espaço urbano como extensão natural da experiência coletiva. Entre a areia, a enseada e as luzes refletidas no espelho d’água, o público se move como quem compartilha um mesmo fôlego, cada um a seu modo, mas todos atravessados pela mesma expectativa de encontro. Não há estridência nem disputa com o cenário; há um esforço de integração em que paisagem, arquitetura, música e gente formam uma trama única, ainda que por instantes breves. Nesse gesto, o Natal do Rio reafirma que a grandiosidade também pode residir na forma como reunimos pessoas tão diversas diante de um horizonte comum.

Há, nessa construção, uma crítica cultural que se insinua sem alarde. O Rio, tantas vezes reduzido ao estigma do improviso, do caos romantizado ou da celebração sem medida, revela aqui a possibilidade de outra narrativa: a de uma sofisticação que não afasta e de uma organização que não aprisiona. A cena na enseada mostra que o espaço público pode, sim, ser vivido com cuidado, e que a beleza, quando compartilhada, ganha força democrática. Talvez a verdadeira inovação não esteja na tecnologia ou nos efeitos visuais, mas no gesto social que sustenta tudo isso: a crença de que o encontro, quando pensado para todos, pode se tornar a mais valiosa política cultural.

A cidade precisa desse tipo de gesto, não como distração, mas como respiro. Em tempos atravessados por urgências e pela sensação de que tudo se dispersa, oferecer um instante de pausa coletiva é mais que entretenimento: é lembrar que o pertencimento urbano ainda existe e pode ser cultivado. Ao transformar a enseada em ponto de convergência, o Natal do Rio indica que a cidade, apesar de suas tensões diárias, ainda é capaz de reunir pessoas muito distintas diante de um mesmo horizonte luminoso. É um lembrete discreto, mas necessário, de que convivência também se aprende e se pratica na paisagem.

Na cobertura da noite, a imprensa foi recebida por Alexandre Accioly e Abel Gomes, presença que por si só já dimensiona o alcance desta edição do Natal do Rio. Accioly, responsável pela articulação executiva que sustenta o projeto, e Abel, diretor artístico por trás de algumas das maiores celebrações públicas do país, ofereceram aos veículos convidados um panorama claro da lógica estética, técnica e simbólica que orienta a árvore em seu retorno à cidade. Em conversas sobre segurança, cenografia, impacto turístico e a importância de devolver o espaço público à cidade, os dois situaram o evento dentro da tradição dos grandes espetáculos cariocas e compartilharam um olhar de bastidor que amplia a compreensão do que se presencia na noite de inauguração, preparando o terreno para a programação que se seguiria.

A programação seguiu o roteiro previsto pela produção, começando com o credenciamento da imprensa e uma breve coletiva que, embora discreta, cumpriu seu papel de apresentação. O Coral da Marinha abriu a sequência artística antes de dar lugar à DJ Tammy, responsável pelos intervalos sonoros que acompanharam o entardecer na enseada. A passagem da Caravana da Coca-Cola marcou o momento mais popular da tarde, enquanto a Orquestra de Natal reuniu Pretinho da Serrinha, Belo e Rachell Luz em uma participação mais simbólica do que performática. Tudo conduziu ao esperado acendimento da árvore, às 20h, ponto alto da noite e instante em que o público encontrou a imagem pela qual havia aguardado. Mesmo sem grandes sobressaltos ou momentos arrebatadores, o percurso programado se desenrolou com correção e respeito ao público, mantendo a cadência de um evento pensado para acolher antes de impressionar.

O acendimento da árvore flutuante foi coroado por um show pirotécnico que iluminou a enseada e suspendeu, por alguns instantes, o ritmo habitual da cidade. Ao longo de cerca de dez minutos, música, fogos e mar se entrelaçaram em um mesmo gesto cênico, transformando a noite em um raro instante de comunhão luminosa. A força das imagens e a repercussão imediata deixaram claro que quem esteve ali guardará a memória de uma das inaugurações natalinas mais marcantes dos últimos anos, prova de que, mesmo cética, a cidade ainda se permite comover quando o encontro coletivo encontra sua melhor forma.

Se há uma mensagem no acendimento da Árvore do Natal do Rio, ela ultrapassa o espetáculo e alcança o que a cidade ainda consegue produzir quando se reúne em torno de algo comum. O ritual de luz não é apenas a celebração de um ícone flutuante, mas a prova de que o Rio continua capaz de costurar pertencimento mesmo em meio às suas fraturas. Foi isso que se viu na Enseada de Botafogo: técnicos, artistas, famílias, curiosos, jornalistas e trabalhadores dividindo o mesmo compasso enquanto a cidade, por alguns instantes, se reconhecia como comunidade possível. A árvore acendeu, sim, mas o que realmente iluminou a noite foi a constatação de que, quando a cidade se entrega ao encontro, ainda sabe emocionar, mesmo quem chegou com expectativas altas e coração reticente.

Fotos e Texto: Mauro Senna






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