Wicked: Parte 2

 

Wicked: Parte 2 não é apenas uma continuação; é um espelho distorcido da Cidade Esmeralda. Jon M. Chu retorna ao universo de Oz com uma visão mais política, transformando a fantasia colorida em uma fábula sombria sobre poder, moralidade e ilusão.

A Cidade Esmeralda nunca pareceu tão frágil. O brilho das ruas e dos palácios dá lugar a rachaduras internas, e o desconforto moral contido na Parte 1 se expande em um labirinto de verdades deformadas. Oz, como sempre, privilegia o espetáculo em detrimento da substância, e Chu explora essa tensão com rigor quase ritualístico.

No centro da narrativa estão Elphaba (Cynthia Erivo) e Glinda (Ariana Grande), heroínas que agora dividem espaço com as consequências de suas escolhas. Elphaba, marcada como perigosa pelo establishment, luta pelos animais de Oz, silenciados pelo regime. Glinda, apesar do brilho cor-de-rosa, carrega os custos invisíveis do poder: uma elegância que esconde fragilidade e um medo que frequentemente se traveste de hipocrisia. Essa dualidade, em que uma se radicaliza pela justiça e a outra se acomoda pela conveniência, é o que sustenta o arco emocional do filme.

A política de Oz se torna concreta e ameaçadora. Fiyero (Jonathan Bailey) surge como líder de uma Força Gale militarizada, abandonando a leveza juvenil da Parte 1. Nessarose (Marissa Bode) governa com um autoritarismo vacilante, enquanto Boq (Ethan Slater) descobre que a lealdade, em Oz, raramente sai impune. Já o Mágico (Jeff Goldblum) encarna o auge do governo-espetáculo: encantador, manipulador, governando não pela verdade, mas pela mentira exata. Sua máxima — “Eles nunca vão parar de acreditar em mim, porque não querem” — ecoa como advertência universal sobre regimes que sobrevivem graças à complacência voluntária.

Visualmente, o filme é impressionante, porém inquietante. A fotografia de Alice Brooks confere uma palidez fantasmagórica, como se toda Oz estivesse doente de nostalgia e incapaz de sustentar sua própria lenda technicolor. As músicas inéditas de Stephen Schwartz, como “No Place Like Home” e “The Girl in the Bubble”, carregam esse mesmo desencanto: soam como feitiços que perderam a eficácia, ecos de um mundo onde não há mais arco-íris para fugir.

O número “Wonderful” sintetiza essa proposta: um dueto mascarado entre o Mágico, Elphaba e Glinda que expõe a maquinaria de governos que prosperam apagando contradições. O cinismo musical encontra a crítica política, transformando o espetáculo em reflexão sobre o preço da ilusão e sobre quem paga essa conta.

Wicked: Parte 2 não é entretenimento leve. É um espelho perturbador que revela, sob o brilho esmeraldino, a corrupção, a hipocrisia e as ambiguidades morais que muitos preferem ignorar. Chu entrega uma sequência que impressiona e inquieta, obrigando o público a encarar Oz, e talvez o próprio mundo, com um olhar mais atento e crítico.

Para quem pretende mergulhar nesse universo, um alerta sincero: esta segunda parte não funciona sozinha. Para sentir o peso das escolhas, das transformações e das fraturas afetivas, é essencial ter assistido à Parte 1. Além disso, conhecer O Mágico de Oz original, com Judy Garland como Dorothy Gale e seus icônicos companheiros de jornada, amplia o impacto das referências que aqui surgem em relances discretos, quase como fantasmas de um mito compartilhado. Wicked: Parte 2 não é apenas um filme; é uma peça de um mosaico maior, cuja força depende do todo.

Por Mauro Senna



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