Doce Maravilha 2025

 

O Doce Maravilha não pede licença, ele entra. Suave na ponta do pé, mas com as intenções todas escancaradas. A manhã começa num estado de suspensão emocional, quase como se o festival sussurrasse no ouvido do público: “chega mais, mas chega calmo”. Mari Jasca, Dora Morelenbaum, Duda Brack, Jadsa, Sacramento é um cardápio afetivo, servido em porções pequenas e texturadas. Vozes que se encostam nas paredes do som, arranjos que não têm pressa de terminar. É música como quem arruma a casa antes da visita, tudo no lugar, mas com cheiro de café passado na hora.

Adriana Calcanhotto/Partimpim vem com “O Quarto”, e o nome já entrega: é porta entreaberta, papel de parede de infância, inocência como escolha estética, não como limitação. Um momento de travessia delicada, a música como ponte levadiça entre o que é pra dentro e o que vai virar praça.

E vira. O Baile do Simonal irrompe como quem quebra o espelho do quarto anterior. A percussão pede o corpo, e o corpo responde. Ícaro Silva e os Acadêmicos do Baixo Augusta vêm juntos como bloco desgovernado de memória, suingue, coreografia coletiva. O festival, antes contemplativo, agora quer suor. E entrega.

Baianasystem? Acelera. Aqui não tem espaço pra pensar, só pra pulsar. "O Mundo Dá Voltas" é um mantra elétrico, afro-eletrônico, beat-arrastão. É o momento em que o chão vira pista. Festival precisa disso: desorganização afetiva com propósito.

Os DJs Patife, Mam, Lys Ventura, Mango não são apenas interlúdios. São os responsáveis pela costura invisível do dia. São eles que garantem que o festival não se esgarce entre os shows. Quando bem curados, viram ápice inesperado. Quando mal encaixados, distração com trilha. Aqui, tudo indica que acertaram o ponto: deram groove onde era preciso e pausa onde era possível.

Mas então, o momento. Ney Matogrosso + Marisa Monte. Não é só um encontro de vozes, é um acontecimento tectônico. Duas forças opostas e complementares: o vulcão performático e a maré controlada. A expectativa era uma entidade viva ali, rondando cada nota, cada respiração. E se esse show não foi perfeito (porque perfeição é capricho pequeno perto da potência), foi, ao menos, um exercício de coragem artística: de fazer caber, na mesma música, o grito e o sussurro. Ney dramatiza com o corpo inteiro, Marisa refina com a vírgula vocal. E no meio disso, a canção, essa entidade fluida que os dois sabem vestir como ninguém.

Os dois palcos, Bradesco e Corona, são mais do que estruturas: são dramaturgias paralelas. O bom festival entende que som não é só volume, é direção, intenção. Quando há sangramento de palco, o corpo sente antes do ouvido. Quando há equilíbrio, tudo dança junto, até o vento.

E claro: festival não vive só de clímax. Vive de respiração. Os shows de Lamparina, Mariana Aydar, Partimpim, entre outros, fazem esse papel vital de manter o fluxo pulsante sem virar maratona emocional. São essas apresentações que sustentam a curva narrativa do evento e, talvez, os momentos mais sinceros, onde a música não tenta provar nada, só existir.

Se houve falhas técnicas? Provavelmente. Se teve atraso, microfone falhando, palco disputado à tapa? Quem sabe. Mas se o público saiu suado, emocionado, de mãos dadas com o som, então, sim: foi um sábado de Doce Maravilha. 

Por Mauro Senna

Fotos: MSenna


 


 


 



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