Quarteto Fantástico: Primeiros Passos
Quarteto Fantástico: Primeiros Passos é como encontrar um vinil raro em um brechó intergaláctico: a capa impressiona, o som vem com chiados, e a música... bem, tenta com esforço reviver um passado que talvez só exista em nossa memória afetiva. Ainda assim, é o melhor filme do Quarteto até hoje — não por mérito próprio, mas porque os anteriores foram tão desastrosos que qualquer tentativa minimamente decente já soa como renascimento.
O filme começa com um noticiário retrofuturista tão deliciosamente artificial que parece saído de um delírio coletivo de 1963. A Terra 828 é uma cápsula do tempo onde Os Jetsons se encontram com a Feira Mundial e decidem morar juntos. O design de produção? Um abraço de neon e cromo. A trilha de Michael Giacchino? Um milk-shake de theremin com saxofone. Tudo vibra, tudo gira — até o bom senso.
E que elenco! Pedro Pascal é um Sr. Fantástico mais neurótico que genial — e, curiosamente, isso funciona, graças ao seu carisma de “pai universal”. Vanessa Kirby faz o improvável: dá alma à Mulher Invisível, personagem que, tradicionalmente, tem o desenvolvimento emocional de um eletrodoméstico. Joseph Quinn se diverte como o Tocha Humana, um adolescente preso no corpo de um astro de rock dos anos 70. Já Ebon Moss-Bachrach interpreta um Coisa mais sensível que destruidor — o que o torna o melhor personagem em cena, mesmo coberto por uma crosta de CGI que parece ter sido esculpida por um artista conceitual da Hanna-Barbera.
Até aí, tudo vai bem. Vilões cartunescos aparecem, são derrotados com piadas e raios coloridos, e HERBIE — o robô-assistente que soa como uma mistura de WALL-E lobotomizado com R2-D2 em crise de identidade — rouba todas as cenas que não envolvem humanos. Durante os primeiros 40 minutos, Primeiros Passos é menos Marvel e mais matinê de sábado — e, por um instante, isso é mágico.
Mas então... o MCU lembra que tem uma marca a preservar.
A chegada do Surfista Prateado (Julia Garner, gélida e cintilante como um iceberg que recita poesia) e de Galactus (Ralph Ineson, cuja voz parece ter sido lavrada em granito cósmico) marca a virada. A luz some. O humor é evacuado da sala. A paleta de cores mergulha no cinza-chumbo. E o filme, enfim, retorna à sua zona de conforto: o colapso universal à vista e a verborragia científica que soa inteligente até você começar a prestar atenção.
A maior ironia do filme talvez esteja em seu protagonista: a elasticidade emocional do Sr. Fantástico jamais se converte em ação física memorável. Ele se estica, mas o roteiro não. A trama, assim como seus personagens, permanece presa ao essencial: funcional, mas inerte. O clímax se desenrola no espaço, mas emocionalmente é um buraco negro — tudo soa urgente, mas nada tem peso.
A tentativa de humanizar os heróis corre em paralelo, mas soa como episódios de encheção de linguiça num streaming qualquer: o romance do Coisa com Natasha Lyonne, mais excêntrica que romântica — como se estivesse ensaiando para um spin-off indie —, as discussões pré-natais de Reed e Sue, e uma cena envolvendo biscoitos que, juro por Galactus, parece ter saído direto de This Is Us com os efeitos especiais de Power Rangers Turbo.
Matt Shakman, após o sucesso de WandaVision, parecia o nome certo para o desafio. Mas aqui, dividido entre o kitsch encantador do passado e o cinismo burocrático do MCU atual, ele hesita — e o filme hesita com ele. A direção busca alcançar um potencial estético, mas o roteiro, escrito por um comitê que provavelmente nunca compartilhou sequer um almoço, puxa cada cena para direções conflitantes.
No fim, Os Primeiros Passos é exatamente isso: passos. Cambaleantes, charmosos, com sapatinhos polidos — e um bebê gigante (o MCU) aprendendo a andar de novo. Não é o filme que o Quarteto Fantástico merece, mas é o primeiro que finalmente reconhece que, no fundo, eles são uma família. E que, às vezes, salvar o mundo é menos interessante do que aprender a viver nele.
Por Mauro Senna
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