O Ritual
Há tempos o cinema de horror tenta ressuscitar o impacto de O Exorcista com novas roupagens, ambientações e simbologias. O Ritual, mais recente tentativa de revisitar o território das possessões demoníacas, surge com a promessa de devolver seriedade e densidade ao tema — e até começa bem. A atmosfera é sombria, os rituais são filmados com reverência quase litúrgica e a presença de Al Pacino confere ao filme um verniz de gravidade. Mas basta atravessar os primeiros atos para perceber que, sob o manto da solenidade, o roteiro hesita. Falta construção, falta origem, falta propósito: o mal acontece, mas o porquê permanece nebuloso. E quando o medo não tem raízes, ele também não tem onde florescer.
Se nos anos 1970 a simples sugestão do maligno era suficiente para paralisar plateias — como fez O Exorcista, cuja sombra paira inevitavelmente sobre qualquer novo título que se aventure pelo território da possessão — O Ritual tenta invocar os demônios do horror clássico, mas termina por exorcizar da experiência qualquer sensação de real ameaça. O que vemos é uma coleção de arquétipos e sustos previsíveis, envoltos em efeitos especiais que mais distraem do que apavoram. Mesmo o próprio diabo, aqui, parece entediado.
David Midell, o diretor desta missa fúnebre sem alma, parece ter firmado pacto não com o diabo, mas com a mediocridade. Em O Ritual, nem o suor místico de Al Pacino nem o olhar lacrimoso de Dan Stevens conseguem salvar a narrativa de seu próprio desinteresse. O que prometia ser a dramatização do mais longo exorcismo da história dos EUA se arrasta como uma ladainha morna — daquelas que nem o inferno tem paciência de assistir até o fim.
Al Pacino, o sacerdote com voz de trovão e olhos de julgamento eterno, está em boa forma — mas até mesmo o príncipe das trevas se perguntaria por que ele aceitou este papel. Talvez houvesse sangue no contrato... ou um bom cachê. Ele percorre os corredores escurecidos do convento como quem sabe estar num filme que deveria ser assombrado, mas foi apenas agraciado com uma fotografia sombria e diálogos saturados de fé... e de tédio.
Dan Stevens, por sua vez, carrega o peso do luto, da culpa — e de um roteiro que parece ter sido escrito com hóstias molhadas. Seu Padre Steiger está perdido: na fé, na narrativa e no tom. Já Abigail Cowen, como a possuída Emma Schmidt, até traz algumas labaredas de tormento genuíno, mas o fogo nunca pega de verdade. E quando o clímax enfim se insinua — essa anunciada maratona de 72 horas de exorcismo — o que se sente não é a presença do demônio, mas a possessão pelo cansaço.
O Ritual promete o inferno… mas entrega um purgatório de duas horas, onde os demônios são civilizados, a blasfêmia é educada e o terror pega carona com a monotonia. Não há hereges ardendo em fogo, nem padres em surto rasgando batinas — apenas uma repetição litúrgica de cenas que se arrastam como um rosário cansado, onde cada Ave-Maria parece durar um terço da sessão.
E mesmo quando tudo parece prestes a explodir num clímax infernal, o filme prefere recuar — como um espírito tímido que pede desculpas por estar atrapalhando. Os efeitos visuais, contidos quase até a omissão, parecem mais empenhados em não ferir suscetibilidades do que em instaurar o caos. Nada de gritos que ecoam pelos corredores da alma, nem abismos escancarados sob nossos pés. O único abismo real é o que se abre entre a ambição do filme — uma ópera demoníaca de fé e desespero — e sua entrega final: um sermão sonolento, embalado por sombras discretas e sustos que jamais ousam morder.
Para os devotos do horror religioso, O Ritual pode servir como penitência. Para os verdadeiros adoradores do terror, porém, não é possessão — é exorcismo preventivo. Uma missa negra que esqueceu o vinho, o sangue… e a besta.
Por Mauro Senna
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