TOC TOC

 

Na adaptação brasileira de TOC TOC, comédia do francês Laurent Baffie, o riso nasce de um terreno delicado: os transtornos obsessivo-compulsivos. A proposta, voltada ao entretenimento, tropeça ao tentar equilibrar humor e sensibilidade — e escorrega para uma superficialidade que pouco contribui para a compreensão da complexidade do tema. A trama parte de uma premissa simples: seis pacientes, cada um com um tipo distinto de TOC, se encontram na sala de espera de um consultório, aguardando por um médico que insiste em não chegar. É nesse vácuo de autoridade que os personagens interagem, e suas manias — em vez de abrirem caminhos para conflitos humanos — tornam-se combustível para uma comédia de situações previsíveis e de eficácia irregular.

Apesar do potencial da proposta, o que se vê em cena é uma sucessão de estereótipos e piadas datadas, que raramente ultrapassam a camada mais rasa do tema. Os transtornos mentais, ao invés de provocarem empatia ou reflexão, são usados como gatilhos fáceis para o riso — riso que, em tempos de maior consciência sobre saúde mental, soa deslocado e por vezes desconfortável. A peça parece não ter acompanhado as transformações do debate público, insistindo em um modelo de comicidade que encontra pouco eco junto a uma plateia mais atenta à representação de temas sensíveis.

A direção de Alexandre Reinecke reforça essa instabilidade ao oscilar entre tentativas de sensibilidade e um humor escancarado. A ausência de um olhar mais apurado sobre o material deixa os atores soltos, entregues a gags pouco inspiradas e a improvisações que raramente funcionam. Em vez de conferir leveza, essa liberdade mal conduzida compromete o ritmo das cenas e dilui o impacto tanto cômico quanto dramático.

O elenco, formado por nomes experientes e populares, não consegue transcender a moldura caricatural imposta pelo texto. Claudia Ohana surge apagada, limitada por uma atuação que carece de energia e nuance. André Gonçalves exagera em trejeitos, comprometendo a naturalidade da composição. Letícia Lima revela bom timing cômico, mas depende mais de sua desenvoltura pessoal do que da força dramatúrgica. Daniel Dantas tenta equilibrar o conjunto com certa contenção, embora nem sua experiência o salve do desconforto ao verbalizar falas grosseiras com uma naturalidade deslocada. Sara Freitas passa quase despercebida, com pouco espaço para desenvolver sua personagem. Miguel Menezzes é quem mais se destaca, ao oferecer um desempenho controlado e eficaz. Jade Mascarenhas demonstra potencial, mas é visivelmente limitada pelo material.

No centro das fragilidades está o próprio texto de Baffie, que se apoia em situações repetitivas e piadas previsíveis. Os personagens, concebidos como caricaturas, esvaziam qualquer possibilidade de abordagem mais complexa do TOC. O que poderia ser um retrato sensível da convivência com o transtorno reduz-se a um desfile de manias forçadas e interações automatizadas, sem nuances ou propósito maior.

Com seus quase 90 minutos, TOC TOC sofre com ritmo irregular e excesso de repetição. A estrutura se esgota rapidamente, e o espetáculo parece se estender além do necessário, apostando nas mesmas fórmulas até perder o impacto. Ao final, a sensação que fica não é de envolvimento, mas de alívio — como quem aguarda algo que nunca chega a acontecer.

Ainda assim, para quem busca apenas um passatempo despretensioso, livre de expectativas ou olhar crítico, a peça pode oferecer momentos de distração. Mas resta a impressão de uma oportunidade desperdiçada — aquela em que o riso, ao invés de abrir caminho para a empatia, apenas escorrega sobre a superfície de um tema que merecia mais.

Por Mauro Senna


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