Maria Callas
Mestre da biografia cinematográfica, o diretor, produtor e roteirista chileno Pablo Larraín oferece uma visão introspectiva e quase hipnótica sobre os últimos dias de vida da icônica soprano greco-americana Maria Callas, uma das maiores vozes do século XX. A cinebiografia, que conta com uma direção cuidadosa e a atuação surpreendente de Angelina Jolie em um papel desafiador, busca explorar a complexidade emocional e a queda de Callas, desde seu auge até o isolamento e o sofrimento de seus últimos momentos. No entanto, apesar da refinada direção e da performance ousada, o filme encontra dificuldades em alcançar a intensidade emocional necessária para sustentar a profundidade de sua narrativa, deixando em aberto a questão de até que ponto a história consegue realmente capturar a magnitude de uma figura tão enigmática e grandiosa.
O ponto de partida do filme é promissor: Maria Callas (interpretada por Angelina Jolie) aos 53 anos, já marcada pela nostalgia e pelo desgaste de uma vida repleta de excessos, imersa na dor da perda de sua voz e nas cicatrizes de uma infância tumultuada. Este estágio de sua vida, afastada dos palcos, mas ainda imersa na aura de diva, oferece um terreno fértil para a exploração do sofrimento psicológico e da desilusão artística. No entanto, ao contrário da grandiosidade e da intensidade que marcaram seus retratos anteriores, como os de Jackie Kennedy e Lady Diana, Larraín parece hesitar em adotar o melodrama que, de maneira paradoxal, poderia ter infundido à narrativa a paixão e a dramaticidade próprias do canto de Callas. A contenção da direção, ao evitar exageros, acaba por atenuar o potencial emocional da história, deixando o filme com uma tensão que, por vezes, parece não se concretizar plenamente.
A performance de Angelina Jolie se destaca como o ponto mais forte do filme. Ela entrega uma Maria Callas que transita com maestria entre a majestade e a fragilidade, equilibrando a dor interna com a postura pública que se espera de uma diva. O aspecto mais notável de sua interpretação é sua habilidade em transmitir a dúvida existencial e a angústia de uma mulher que, após perder sua identidade artística, vive à sombra de um legado que já não pode mais sustentar. Jolie não apenas encarna com precisão a figura de Callas, mas também se arrisca a cantar, o que adiciona uma camada de complexidade ao seu desempenho. No entanto, mesmo com uma atuação indiscutivelmente impressionante, a performance de Jolie não consegue mascarar as limitações do roteiro de Steven Knight, cujas escolhas narrativas não conseguem sustentar a profundidade emocional que o personagem exige.
Lamentavelmente, a produção peca pela falta de ressonância emocional nos momentos-chave de sua narrativa. O texto de Steven Knight, embora repleto de elegância e com uma construção meticulosa, raramente atinge os altos e baixos dramáticos necessários para refletir a magnitude histórica e emocional de Maria Callas. Embora o filme busque retratar a luta de uma mulher que busca tanto a redenção artística quanto pessoal, o resultado muitas vezes se traduz em uma sucessão de cenas que, embora visualmente cuidadosas, carecem de profundidade emocional, fazendo com que a intensidade da história pareça mais superficial do que se esperaria para um retrato tão complexo.
O trabalho de cinematografia de Ed Lachman é, sem dúvida, um espetáculo à parte, como já é esperado de sua assinatura. Cada cena, desde os interiores intimistas de Paris até os flashbacks sombrios da juventude de Callas, exibe uma grandeza visual impressionante que, paradoxalmente, contribui para afastar o filme de seu objeto, em vez de aproximá-lo. O uso do preto e branco nos flashbacks, que busca capturar a juventude e as aspirações de Callas, acaba por enfatizar o distanciamento estilístico da obra. Em muitos momentos, a cinematografia de Lachman parece refletir a oscilação do filme entre o maneirismo visual e o desejo de explorar a verdadeira essência humana de sua protagonista, criando uma tensão que, em vez de enriquecer a narrativa, pode deixá-la ainda mais opaca.
A forma como a narrativa transita entre momentos de realismo poético e representações mais artificiais da vida de Callas acaba enfraquecendo o impacto emocional que se esperava, especialmente para os cinéfilos mais exigentes. A própria Callas, uma mulher cuja voz hipnotizava multidões e que carregava consigo uma aura de tragédia e glória, não é completamente desvelada neste filme. Larraín, talvez receoso de cair na armadilha do clichê, opta por não explorar totalmente a complexidade emocional da soprano, o que resulta em um retrato que, embora fascinante, se mostra incompleto e por vezes distante. Ainda assim, a direção refinada, a impressionante performance de Angelina Jolie e a deslumbrante cinematografia fazem com que o filme seja uma experiência que, mesmo com suas limitações, vale a pena ser assistida, especialmente para aqueles que apreciam a arte do cinema em sua forma mais contemplativa e visualmente exuberante.
Por Mauro Senna
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