Conclave

 

Na contramão da sua aparente roupagem de suspense sofisticado, Conclave – sob a direção e roteiro do cineasta suíço Edward Berger – se posiciona como uma narrativa que mistura elementos de ficção e reflexão sobre o poder, assumindo um tom cínico e provocador. Ambientada dentro do Vaticano, a obra poderia ter se aproveitado da atmosfera de mistério para apresentar uma crítica crível sobre as intrigas e manipulações no seio da Igreja Católica, mas acaba por se transformar em uma caricatura escandalosa, limitada a um jogo de poder que ressignifica a noção de santidade de maneira superficial.

A trama se desenrola durante uma reunião secreta do Colégio de Cardeais, que deve eleger um novo papa após a morte misteriosa do pontífice – cuja causa permanece oculta. A história se concentra nas estratégias ardilosas dos cardeais, retratados como figuras imorais e dispostas a sacrificar qualquer princípio em busca de poder. A ideia de que altos dignitários da Igreja possam ser movidos apenas por interesses pessoais pode ser interpretada tanto como uma crítica feroz à hierarquia eclesiástica quanto como uma abordagem controversa, com contornos que muitos poderiam considerar excessivamente irreverentes.

O filme de Berger e o roteiro de Peter Straughan se permitem um olhar irreverente não só para a instituição do Papado, mas também para as crenças que sustentam o catolicismo. Ao colocar a trama num contexto de poder político disfarçado de espiritualidade, "Conclave" se distancia de uma abordagem genuína, caindo em um terreno de espetáculo sensacionalista. A exposição das manobras eleitorais dentro do Palácio Apostólico, onde a moralidade é deixada de lado em nome de interesses pessoais e alianças traiçoeiras, poderia ter sido uma alegoria interessante sobre o poder e suas corrupções. Porém, ao se desenrolar de maneira caricatural, o filme se arrisca em uma crítica simplista, que prefere o choque fácil à reflexão mais profunda. Assim, o que poderia ser uma reflexão pungente sobre a natureza humana e suas fraquezas no contexto de uma instituição milenar se perde em um tom de descompromisso e exagero.

O fato de que o filme provoca divisões sobre sua postura progressista ou conservadora é outro elemento que se disfarça de crítica inteligente, mas, na realidade, se revela uma provocação vazia. As falas sobre a aceitação progressiva dentro da Igreja, embora possam ser interpretadas como bem-intencionadas, acabam por soar mais como uma zombaria de uma instituição que, há séculos, prefere se refugiar em sua própria hipocrisia, evitando confrontar os pecados que carrega. Em "Conclave", para o espectador atento, a Igreja não está sendo chamada a se renovar, mas a se expor como uma máquina de interesses, onde as promessas de santidade e salvação são rapidamente deixadas de lado em nome da busca incessante por poder e controle. Ao invés de gerar um debate construtivo sobre as questões internas e externas da Igreja, o filme opta por uma visão reducionista, onde a complexidade das transformações históricas e espirituais é diluída em um jogo de aparências e intrigas vazias. Assim, o que poderia ser um questionamento sobre a necessidade de mudanças ou sobre os dilemas morais do catolicismo se perde em uma representação quase caricatural, onde o foco está mais em chocar do que em provocar uma reflexão genuína.

Por fim, Conclave não se limita a escandalizar, mas revive a velha acusação contra a Igreja: de que ela é um mero teatro de poder, onde os atores vestem capas e estolas, mas suas almas, como sugere o filme, são tão vazias quanto as de qualquer político corrompido. Ao expor essa crítica de forma tão mordaz, o filme não só insulta a fé alheia, mas subverte a ideia fundamental de que a Igreja possa ser um refúgio de santidade em meio a um mundo caótico. Em sua busca por chocar, Conclave se distancia do potencial de reflexão genuína, reduzindo a instituição a um palco de intrigas e traições, onde o sagrado é deixado de lado em nome de um poder que se revela, ao fim, profundamente desumano.

Por Mauro Senna

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