Judy – O Arco-Íris é Aqui

 

"Judy – O Arco-Íris é Aqui" vai além de ser uma simples biografia sobre a icônica atriz Judy Garland, oferecendo uma experiência sensorial e metalinguística que questiona a figura mítica da estrela de Hollywood. Dirigido por Flávio Marinho, o espetáculo propõe uma fusão intrigante entre passado e presente, conectando o mito da era dourada de Hollywood com a trajetória da atriz brasileira Luciana Braga, em uma busca pelo eterno e pelo efêmero.

O ponto forte do espetáculo está na ousadia de sua proposta. A direção de Marinho, longe de se limitar a uma mera recriação da vida de Garland, abraça uma abordagem filosófica e experimental, criando um espetáculo que desafia as convenções do gênero biográfico. A escolha de trazer Luciana Braga para esse papel não é uma tentativa de imitar Judy, mas de refletir sobre o próprio processo artístico da intérprete e sobre os ecos do mito da estrela. Braga, com sua imensa habilidade cênica, não busca a imitação pura, mas uma reinterpretação pessoal, o que lhe confere um caráter único e interessante.

A cenografia e o figurino, sob a assinatura de Ronald Teixeira, são outro ponto alto da produção. A atmosfera criada remete ao glamour do Hollywood clássico, com uma paleta de cores cuidadosamente escolhida, que dialoga com as memórias cinematográficas de Garland, criando uma aura de nostalgia sem cair na superficialidade. A iluminação, com sutilezas que evocam momentos de sonho e desespero, complementa a trama de maneira envolvente, potencializando a tensão entre a celebração do mito e a realidade das artistas.

Entretanto, o espetáculo apresenta alguns pontos que podem deixar a desejar para quem espera uma imersão mais profunda na vida de Garland. A abordagem de Marinho, ao privilegiar o processo artístico de Luciana Braga e a relação dela com Judy, faz com que a dor e o sofrimento de Garland, que são centrais em sua história, se tornem elementos secundários. A trama, em vez de explorar a complexidade do sofrimento de Garland, acaba se distanciando do drama pessoal da atriz, o que pode gerar uma sensação de vazio emocional em momentos que deveriam ser catárticos.

O tratamento das músicas de Judy Garland também merece uma análise cuidadosa. Em vez de dar nova vida às canções icônicas como "Over The Rainbow" e "The Man That Got Away", os arranjos de André Amaral e Liliane Secco acabam soando como uma mera homenagem, sem alcançar o clímax emocional esperado. Esses momentos, que deveriam ser a alma do espetáculo, muitas vezes não ressoam com a intensidade necessária, deixando a plateia com uma sensação de nostalgia sem a verdadeira carga emocional.

Apesar dessas falhas, o espetáculo possui méritos incontestáveis. "Judy – O Arco-Íris é Aqui" se destaca por sua proposta ousada e reflexiva, por sua estética impecável e pela profundidade de suas interpretações. A obra nunca pretende ser uma recriação fiel da vida de Judy Garland, mas sim um exercício de reflexão sobre a natureza do mito, da dor e da busca por significado. O brilho de Luciana Braga, embora não precise ser comparado ao de Garland, se destaca pela autenticidade e pela coragem de se colocar à frente de uma proposta tão desafiadora.

Ao final, "Judy – O Arco-Íris é Aqui" é uma obra que abraça a ambiguidade e a fragmentação, não oferecendo respostas prontas, mas sim uma experiência que provoca e questiona. Embora possa não ter alcançado a profundidade que alguns poderiam esperar, vale a pena ser assistido por sua originalidade, pela beleza estética e pela força de suas interpretações. O arco-íris pode não se encontrar no fim da estrada de tijolos amarelos, mas sua jornada, cheia de cores e de sombras, oferece um espetáculo cativante e provocador.

Por Mauro Senna

Foto: msenna

Comentários

Postagens mais visitadas