Festival do Rio 2024 - A Garota da Vez

 

A estreia de Anna Kendrick na direção traz à tona uma narrativa que, embora ambiciosa e corajosa, se debate nas próprias armadilhas que tenta desmascarar. O filme, um suspense psicológico ambientado nos anos 70, mergulha na figura carismática e perturbadora de Rodney Alcala, interpretado por Daniel Zovatto. A escolha do período não é meramente estética; reflete um tempo em que a superficialidade das aparências escondia profundas mazelas sociais, um eco da nossa própria realidade contemporânea.

Kendrick, como Cheryl Bradshaw, encarna a vulnerabilidade de uma atriz que se deixa levar pelas correntes da fama e da aprovação social, um papel que ressalta a fragilidade da moralidade em um mundo de espetáculo. Sua performance é perspicaz, capturando a ambiguidade de uma mulher presa entre a busca pela notoriedade e a necessidade de sobrevivência em um ambiente carregado de manipulação e desconfiança. No entanto, a narrativa se esforça para equilibrar a tensão com a linearidade, optando por uma estrutura não convencional que, embora tente ser envolvente, acaba por se tornar confusa e, em alguns momentos, distrativa.

Os flashbacks dos crimes de Alcala, embora intensos e inquietantes, quase se tornam um exercício de voyeurismo que, em vez de adicionar profundidade, frequentemente desvia o foco do que realmente importa: a exploração da psicologia do medo e da manipulação. A ambientação não linear, embora ambiciosa, provoca uma desconexão emocional que impede o espectador de realmente se envolver com os personagens ou a gravidade das situações que enfrentam. O filme sugere que a verdade pode ser mais estranha que a ficção, mas ao mesmo tempo, parece perder-se nas complexidades de sua própria narrativa.

A mensagem central, sobre a impossibilidade de confiar nas aparências e nas instituições, é potente, mas a execução parece hesitar, revelando uma falta de clareza que pode desorientar o público. Em última análise, apesar de um ato final promissor e momentos de tensão palpável, o filme não consegue equilibrar seu potencial psicológico com uma realização coesa, deixando um gosto amargo de que o próprio horror do mundo real foi mais eficaz em outras narrativas.

Por Mauro Senna

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