Entre Franciscos, O Santo e o Papa

 

Entre Franciscos, O Santo e o Papa

 

"Entre Franciscos – O Santo e o Papa" é uma produção teatral onde a lavanderia do Vaticano se torna palco para uma profunda lavagem de roupa sob o ponto de vista existencial.

Dando seguimento ao viés da figuração adotada na introdução desta resenha crítica, podemos afirmar que nada dissolveria mais a sujeira da humanidade do que uma boa dose de detergente dosada por duas figuras tão emblemáticas como os dois Franciscos que protagonizam o texto do escritor Gabriel Chalita. Com uma produção literária contemplando mais de noventa títulos, ‍o Doutor em Semiótica e em Filosofia do Direito se empenha na seleção de cada palavra com capacidade livrar a consciência dos encardidos causados pelo cotidiano, enquanto que a direção de Fernando Philbert garante que a reflexão seja tão profunda quanto uma mancha provocada pelo derramamento de uma xícara de café num carpete de tufos altos.

A dupla de atores – Paulo Gorgulho e César Mello – assume a árdua tarefa de humanizar duas figuras que, possivelmente, em condições normais de temperatura e pressão, prefeririam estar em outro lugar, que não a lavanderia do Vaticano. Apesar de tudo, não se pode negar que, até os santos e os papas tenham direito aos seus dias para se livrar dos seus próprios pecados e os pecados do mundo.

A peça que, segundo o autor do texto, não é sobre religião, mas sobre humanidade – como se fosse factível a dissociação de ambas – induzindo à reflexão sobre os grandes dilemas da vida enquanto paira a dúvida, em meio à plateia, porque raios aqueles dois ícones da Igreja Católica se encontram numa lavanderia, diante de uma possível discussão sobre a possibilidade de o vinho sagrado ser capaz de provocar manchas ou não. A cenografia de Natália Lana tangencia a estética Jacquestatiana, se posicionando como um fiel de balança desgovernado entre a opulência barroca vaticana e o lugar social de solidariedade franciscana. As auréolas sugeridas ficam por conta do desenho de luz de Vilmar Olos que não vislumbra trazer à luz nem a sacralização do representante máximo da Igreja Católica e nem o despojamento do santo protetor dos animais e padroeiro da ecologia, mas a ambientação descontraída de um boteco, palco de uma conversa entre dois compadres, a um passo de uma crise de consciência. A pseudo simplicidade do figurino de Karen Brusttolin é elevado ao status de virtuoso, não permitindo que as cenas entre os Franciscos sejam tão simplórias quanto a receita de uma hóstia a ser levada ao ato da consagração. A sensação de ter assistido a um espetáculo transcendental, fica por conta do desenho de som de Gui Leal, que faz qualquer ouvinte ter a necessidade de ir a um confessionário mais próximo, para ter a certeza de que até os iludidos precisam de uma boa trilha sonora para seguir o rebanho.

"Entre Franciscos, O Santo e o Papa" tem seu público certo e deve ser assistido para quem busca  uma experiência teatral tão arriscada quanto a ousadia em se lavar uma toalha branca juntamente com uma camisa vermelha.

 

resenha: psales e msenna

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