O Prazer é Todo Nosso

A eloquente apresentação monológica "O Prazer é Todo Nosso", concebida por Juliana Martins e meticulosamente dirigida por Bel Kutner, busca, com uma ousadia contemporânea, traçar os contornos do empoderamento feminino ao longo dos anos. No entanto, mesmo à luz da nobre intenção de explorar os vínculos de sororidade e a liberdade sexual feminina, o texto de Beto Brown, encarregado de traduzir essa transformação, lamentavelmente, se vê enredado à sombra de clichês e generalizações que evocam resquícios de machismo – fato esse que não contribui como uma parcela  somatória em favor da tão almejada libertação das mulheres, mas se fazendo presente como um aliado antagônico ao discurso da protagonista.

Por essa e outras, a promessa de uma reviravolta marcante no universo feminino não se materializa de modo impactante no texto. Observa-se uma superficialidade nas reflexões acerca da metamorfose feminina vivenciada pela protagonista, cuja análise se restringe à proclamação da imprescindibilidade da empatia entre mulheres, sem fornecer uma dissecção mais penetrante ou crítica das complexidades inerentes a esse processo.

A direção de Bel Kutner, apesar de engendrar uma trilha narrativa intrigante através das múltiplas histórias apresentadas, não consegue se desvencilhar completamente de estereótipos. A abordagem das experiências sexuais e afetivas é predominantemente heterossexual, o que restringe a representatividade, excluindo perspectivas que poderiam enriquecer a trama. Ademais, a ênfase excessiva na paixão da protagonista por homens grisalhos poderia, inadvertidamente, fortalecer estereótipos tradicionais de feminilidade, nos quais a mulher necessita da proteção de um homem maduro.

A cenografia e o figurino assinados por Domingos de Alcântara, assim como o design de luz concebido por Lara Cunha e Paulo Denizot, carecem de um olhar de Kutner sob um ponto de vista mais privilegiado, em busca do envolvimento da monologuista numa atmosfera mais rica em sensualidade, visando potencializar a percepção das histórias, por parte do espectador, contemplando valores literários estéticos.   

A trilha sonora composta por Rodrigo Penna também não desempenha um papel significativo em estabelecer o tom da peça, perdendo a oportunidade de amplificar os momentos de humor, ironia e sinceridade propostos pelo texto.

Para atingir seu potencial máximo, a peça carece de um mergulho mais profundo nas complexidades das questões femininas, sem recorrer a clichês, e de expandir as narrativas ao compartilhar com o público a experiência da personagem em seu primeiro contato com a transexualidade, a violência sexual sofrida na juventude e o assédio sexual no ambiente profissional.

A mensagem de que as mulheres têm o direito de explorar, experimentar encontros e realizar seus desejos é, indubitavelmente, positiva, o que permite que "O Prazer é Todo Nosso" acerte ao abordar, de maneira descontraída, temas frequentemente considerados tabus.

resenha:psales e msenna

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