Intimidade Indecente - Sequestra o espectador para o cativeiro do micromundo de um casal de terceira idade

 

Um espetáculo capaz de despertar alegria e tristeza – maniqueísta a ponto de ameaçar extinguir memórias que um dia poderiam ser resgatadas, até mesmo, as mais encantadoras. A ressonante vibração do texto de Leilah Assumpção brilha, evanesce e sequestra o espectador para o cativeiro do micromundo de um casal de terceira idade que dramatizam a acelerada passagem do tempo – cerca de vinte anos em meio a transformações acompanhadas do desgaste da vida a dois.


No palco, o fluxo literal do envelhecimento agridoce é simbolicamente balizado por um sofá em torno do qual se desenrola a história do casal a partir de uma dinâmica tirada das mangas do ator, diretor e produtor brasileiro Guilherme Leme Garcia que demonstra, mais uma vez, a sua habilidade para com espetáculos cujo texto discorre sobre o relacionamento à dois e denuncia o brilho de sua devoção ao seu ofício na direção teatral.


A lucidez da trama, cujas cenas de curta duração transmitem, surpreendentemente, uma gama de sentimentos contínuos e crescentes, conta com a bagagem dramatúrgica dos veteranos Eliane Giardini e Marcos Caruso, cuja sinergia é responsável por uma química perfeita, a ponto de transformar em espetáculo grandioso, algo que poderia ser observado pelos espectadores apenas como uma trivial peça de teatro.


A missão pela evolução etária dos personagens, sem recursos de visagismo e bem diante dos olhos do espectador, foi assumida pelo coreógrafo, dançarino, diretor, preparador corporal, produtor musical, radialista e professor de dança Toni Rodrigues, incumbido de aprofundar a direção de movimento na encenação recalcitrante e imaginativa dos personagens.


Aurora dos Campos assina o projeto cenográfico em consonância com a dinâmica de palco concebida por Leme Garcia, tendo o sofá como ícone minimalista atemporal presente na relação do casal, assumindo papeis, ora de aproximação por paixão, ora de separação rancorosa, ora de isolamento, ora de reaproximação por amor, ao longo da linha do tempo proposta pelo texto de Assumpsão. Potencializando a dramaticidade contida no texto, amenizada pelo cotidiano com que grande parte da plateia é passível de se identificar, e o desenrolar da linha do tempo dos personagens interpretados pela díade de atores que, de “cara limpa”, transmite ao público a verdade de uma relação crível, o desenho de luz de Tomás Ribas se manifesta criteriosamente, definindo focos e iluminação difusa, efeitos cromáticos e temperaturas de cor.


Seguindo a linha da máxima que confere a qualidade dos perfumes indiretamente proporcional ao tamanho dos frascos que os contém, a zelosa produção de “Intimidade Indecente” presenteia o espectador com um espetáculo sem pirotecnia, mas repleto de genialidade capaz de satisfazer toda uma gama de busca de espectadores por entretenimento, sem compromisso por um papo cabeça, mas que também pode ser encontrado por quem procura uma DR.
resenha: psales e msenna

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