A Tropa - O reencontro do que restou de uma família

 

Segundo o autor do roteiro da peça ‘A Tropa’ – o jornalista e dramaturgo Gustavo Pinheiro – a história foi concebida com base em fatos observados durante a campanha eleitoral de 2014, quando Dilma Rousseff e Aécio Neves disputavam a Presidência da República, e quando constatou que muitos amigos e familiares romperam os laços de amizades por conta de ideologias políticas – como se a partir de então eclodisse uma turbulência em meio às relações sócio familiares, impulsionada pela violência e pela polarização, tomando de assalto o país, reconhecidamente, nos tempos atuais.


A história desenha o reencontro do que restou de uma família – um pai militar de carreira da época da ditadura, aposentado, que acredita ter sido a melhor fase da história do Brasil, e seus quatro filhos que, curiosamente e não por mera coincidência, foram batizados como Humberto, Artur, Ernesto e João Batista – em um quarto de hospital onde o patriarca encontra-se internado. A discordância sobre assuntos que envolvem política, economia, sociedade, religião e sexo é o estopim do embate entre pai e filhos, cujo encontro já não acontecia há anos e que, naquele momento de intimidade familiar era envolto em atmosfera tomada pelo constrangimento.


Uma peculiaridade presente no texto de Pinheiro, engenhosa, simbolicamente e articulada de forma perturbadora pelo diretor do espetáculo Cesar Augusto, deve ser levada em conta enquanto reflexão sobre a temática abordada pela dramaturgia - a aparente incoerência manifestada em meio aos personagens quanto às suas ideologias partidárias de esquerda e de direita, e o que defendem segundo seus próprios interesses e suas verdades.


Octávio Augusto assume o militar enfermo de forma grandiosa, como todos os papéis aos quais tem se entregado ao longo de sua carreira como ator, seja no teatro, na TV ou no cinema. Seus filhos, cujos nomes mencionados anteriormente estão na mesma ordem dos nomes dos militares que assumiram a presidência durante a ditadura, são interpretados respectivamente por Alexandre Menezes, Alexandre Galindo, André Rosa e Daniel Marano que passam ao espectador exercerem esforço hercúleo com vistas a garantir aos seus personagens a veracidade necessária a ponto de torná-los tão humanos como Octavio Augusto o faz como o seu protagonista.


O minimalismo dramático do desenho de luz de Adriana Ortiz é excessivamente contrastante – sem poupar o protagonista, cuja elevada intensidade lumínica projetada pode ser interpretada como intencional. Carece do manejo que vise às falas coletivas, mas explode sobre os demais personagens, isoladamente, em breves discursos pontuais. O mergulho cênico se faz sobre um fundo infinito que enquadra o drama familiar e tem no figurino de Ticiana Passos os destaques necessários à identificação das diferenças de visões de mundo de cada um dos personagens.

A contemporaneidade do espetáculo ‘A Tropa’, peca em neutralizar as relações éticas e morais de seus personagens, induzindo o espectador ao aceite de que todos tem o seu lado bom e o seu lado ruim e, por isso mesmo, tudo pode ser compreendido e perdoado em um leito de morte.
resenha: psales e msenna

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