Top Gun: Maverick - Um legado cuidadosamente reconstruído

 


Contrapondo à retrógrada nostalgia do machismo militar implícito no pirotécnico desfile de jatos de combate do maior sucesso de bilheteria de 1986, ‘Top Gun - Ases Indomáveis’, a sequência ‘Top Gun: Maverick’ aposta nos contemporâneos conceitos das relações de amizade, de lealdade e de romance extensiva ao bromance.


Contrariando a máxima que rotula as sequências de filmes como produções cuja qualidade fica aquém dos sucessos originais, ‘Top Gun: Maverick’ surpreende a partir da veracidade do seu argumento e de seu envolvente roteiro, dos diálogos assertivos, da riqueza dos vínculos interpessoais e, da mesma forma que o anterior, sem apelos sexuais explícitos.


Aos vinte e quatro anos de idade, a estrela de ‘Ases Indomáveis’ Tom Cruise empresta a sua jovialidade como isca para a atração de um público mais interessado no seu rostinho bonito e na trilha sonora que conquistou o Oscar de Melhor Canção Original no ano de 1987 com ‘Take my Breath Away’, do que na sequência de combates aéreos do filme. Em ‘Maverick’, percebe-se a humanização dos personagens, em especial o de Cruise, agraciado pela dignidade da sua maturidade, fazendo com que os ares de arrogância e a petulância juvenil meritocrática dêem lugar ao um protagonista responsável e ciente da punição pelos erros causados por um ego outrora inflado.


A direção de Joseph Kosinski e a produção de Christopher McQuarrie sustentam a imprevisibilidade de ‘Maverick’ a ponto de conceder uma sobrevida inesperada a ‘Ases Indomáveis’ e a ‘Maverick’, grandeza emocional digna de premiações da Academia.

Ao contar uma história em que veteranos e jovens pilotos se conflitam e aeronaves F-18 de última geração se confrontam com decadentes F-14s, o filme deixa muito clara a coexistência de gerações e que juntos, têm como missão destruir uma usina ilegal de purificação de urânio operada por uma nação rebelde.


O zelo para com a definição cromática da imagem similar à de ‘Ases Indomáveis’ e os recursos dos focos e dos desfoques da fotografia que ao mesmo tempo que induz a uma leitura da imagem em 3D, compensa a eliminação do granulado da imagem de pouca definição dos anos 80 e, magistralmente, transpõem todos os abismos que poderia roubar a sensação de continuidade da identidade entre filme origem e sequência. Até mesmo as tomadas fotográficas nos ares, aprimoradas com os recursos tecnológicos da atualidade, não roubam as atenções do espectador a ponto de definir uma ruptura na leitura dos filmes – a não ser pelo olhar dos gamers que poderão ousar comparar a dinâmica das cenas de ‘Ases indomáveis’ e de ‘Maverick’ com jogos de gerações bem distintas. Em terra firme, as sutilezas que evidenciam o avanço da qualidade de imagens entre os longas podem ser identificadas nos flashbacks e nas fotos antigas em porta retratos e painéis, que tecem a trama original de Tony Scott e desconstrói a postura fetichista baseada no alto nível de testosterona do filme de 1986. O tributo a Val Kilmer resgata o personagem Iceman, o antagonista de Maverick na versão de Scott e redimido sob a direção de Kosinski que, sabiamente, o imortaliza em 2022 com a sua performance dolorosa, dramática e comovente – algo de tirar o fôlego e, possivelmente, se trata de uma das mais poderosas cenas do filme.

‘Top Gun: Maverick' corre o risco de induzir o espectador a acreditar se tratar de uma mera continuação da história de 1986. Não obstante, deixa margem para ser compreendido como um legado cuidadosamente reconstruído na reflexão da mudança de gostos e atitudes, a partir do qual Tom Cruise demonstra assimilar a mensagem transmitida a Maverick por Stinger, interpretado por James Tolkan, há quase quatro décadas, afirmando que o ego do protagonista estaria passando cheques que o seu corpo poderia não descontar – assertiva com capacidade de metamorfosear a grande estrela do cinema em conceito de dignidade.
Resenha: Paulo Sales e Mauro Senna


Comentários

Postagens mais visitadas