Corte Fatal

 

Adaptar um sucesso internacional como Shear Madness — recordista, longevo, carismático — não é tarefa simples. E fazer isso sem escorregar em caricaturas exóticas ou em traduções literais é ainda mais raro. Corte Fatal, na versão de Gustavo Klein e sob direção e adaptação de Pedro Neschling, consegue esse equilíbrio com habilidade. Não se trata de reinventar a roda, mas de fazê-la girar com fluência e brilho próprio, mesmo que, às vezes, o brilho escorregue para o polido demais.

O mérito mais evidente da montagem é sua engenharia cênica precisa. Neschling conduz a cena com pulso firme e ouvido atento. Tudo parece no lugar certo, na hora certa. É uma direção que não se apaixona por firulas nem pelo improviso desmedido — e isso é uma virtude rara em comédias interativas, que tantas vezes tropeçam na tentação de “fazer graça”. Aqui, o riso nasce de ritmo e rigor, não de exagero.

O elenco, por sua vez, trabalha como um relógio suíço — ou talvez um relógio de camelô, mas um daqueles muito bem regulados. Paulo Mathias Jr. domina o espaço com precisão, mas seu personagem beira o histriônico em certos momentos. A linha entre o cômico e o forçado é tênue — e às vezes, quase se apaga. Fernando Caruso, por outro lado, entrega um equilíbrio invejável: faz humor cerebral com a naturalidade de quem conta uma piada na fila do pão. Sua performance é uma aula de contenção explosiva.

Carmo Dalla Vecchia traz sobriedade — e, talvez, um pouco demais. Seu tom elegante contrasta com a histeria ao redor, mas corre o risco de parecer deslocado. Douglas Silva brilha discretamente, como um bom coadjuvante que conhece o jogo e sabe quando ceder a luz. Hylka Maria, com sua serenidade, impõe presença com economia — um feito. Cristiana Oliveira, como participação especial, empresta prestígio, mas parece mais uma peça de vitrine do que um motor real da trama.

O cenário é exemplar: funcional, bonito, sem ostentação. A trilha e a luz cumprem seus papéis com eficiência invisível — o que, no teatro, é sempre elogio. Os figurinos e o visagismo brincam com estereótipos sem subestimar a inteligência do público — uma linha delicada que é bem trilhada.

Mas o verdadeiro trunfo de Corte Fatal é sua escuta. A proposta interativa exige humildade dos criadores, e o espetáculo mostra que, sim, há inteligência e sofisticação em dar espaço ao público. Rir, aqui, é um ato coletivo — e consciente.

Ao final, fica claro que Corte Fatal é um espetáculo competente, bem produzido, e com momentos genuinamente inspirados. É possível que a precisão, às vezes, sacrifique um pouco da espontaneidade. Mas talvez isso seja o preço da elegância.

Porque rir, mesmo com roteiro e régua, ainda é das tarefas mais sérias do palco — e Corte Fatal cumpre essa missão com respeito, talento e um leve (mas bem-vindo) perfume de vaidade teatral.


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