O Brutalista
A podridão que permeia O Brutalista, de Brady Corbet, não é uma mera metáfora, mas um corte aberto que sangra, exalando os piores defeitos de uma América que se autoengana com promessas de grandeza. Mais do que um estudo sobre um homem desiludido pela ambição e pelas mentiras, o filme é um manifesto sombrio sobre o capitalismo, o poder corrosivo da assimilação e a perversão da arte em tempos de opressão.
A trama acompanha o arquiteto brutalista László Tóth (Adrien Brody), um sobrevivente do campo de concentração de Buchenwald, que tenta recomeçar na Nova York dos anos 50, mas se depara com as engrenagens implacáveis do sistema capitalista. Corbet e Mona Fastvold, roteiristas, desconstroem o mito da terra prometida com um olhar calcificado sobre o capitalismo: uma máquina que devora e desfigura o homem, perpetuando desigualdade e falsidade. A câmera de Lol Crawle, fundamental para capturar a grandiosidade das obras arquitetônicas, se manifesta desde o início com ousadas perspectivas, destacando distorções grotescas da verdade, como na imagem da Estátua da Liberdade, símbolo máximo do "sonho americano".
Marcado por horrores indescritíveis, Tóth é consumido por um sistema alimentado pela ganância, pelo narcisismo e pela prepotência, sendo descartado como um mero produto, digerido após o consumo de seus nutrientes. O arquiteto imigrante, em busca de recomeço, logo se vê cercado por figuras que, sob a máscara de benfeitores, revelam-se parasitas implacáveis. Seu primo Átila (Alessandro Nivola) e o empresário Harrison Lee Van Buren (Guy Pearce) personificam a exploração, representando um sistema que destrói qualquer possibilidade de identidade própria.
A crítica à América do pós-guerra é implacável. Em vez de oportunidades, Tóth encontra um mercado impiedoso que destrói as relações humanas, especialmente no campo das artes. Refletido em sua própria obra brutalista — um híbrido de concreto e dor —, o arquiteto é forçado a moldar sua criatividade conforme as exigências de um sistema que cobra conformidade religiosa e ideológica. A religião se transforma em um passaporte para a aceitação, algo cristalizado na figura de Van Buren, que, para sobreviver, sente a necessidade de "salvar" Tóth. O que começa como uma ajuda logo se transforma em manipulação grotesca, prostituindo a arte ao transformar o sofrimento do protagonista em um troféu. Corbet revela, de forma contundente, como a arte pode ser usada para perpetuar a imbecilidade do poder.
Em termos de construção visual e sonora, O Brutalista explora de maneira sublime a tensão entre o belo e o monstruoso. A fotografia de Lol Crawle continua a contribuir com ousadas perspectivas, capturando tanto a grandiosidade quanto a distorção do "sonho americano", especialmente nas imagens do imponente instituto de Van Buren — uma construção que se ergue e se arrasta, tal como o capitalismo: sempre crescente, mas insaciável. A produção de Judy Becker cria uma aura de mistério ao redor desse edifício, enquanto a trilha sonora de Daniel Blumberg, com sua combinação de piano, trompete e saxofone, evoca a grandiosidade do sonho americano. No entanto, a repetição da música reflete a promessa vazia de prosperidade, sem nunca alcançar a satisfação desejada.
A maior subversão de Corbet se dá na crítica ao judaísmo e ao sionismo. Apesar de ser judeu, Tóth não se vê como parte de um "projeto" sagrado ou redentor. Ele está à deriva, exilado não só de sua terra natal, mas também da cultura americana. A presença de Israel como possível "salvação" no filme não visa glorificar a nação, mas levantar uma reflexão sombria sobre as alternativas radicais para os oprimidos pela máquina do império. Em um mundo globalmente marcado por extermínio, deslocamento e violência, a busca por um "lar" se revela uma ilusão, ainda carregada pelas cicatrizes de um passado podre.
Por fim, O Brutalista não apenas critica a América, mas também reafirma que a arte nunca é neutra. Em tempos de ascensão do fascismo e com uma política americana cada vez mais inclinada ao populismo da extrema direita, a arte surge como um dos últimos bastiões de resistência. O filme não hesita em encarar de frente a monstruosidade da América, e ao fazer isso, nos lembra da urgência de resistir por meio da criação, da arte, da memória e da luta contra as forças que tentam apagá-las. Em última instância, O Brutalista é um filme visceral, brutal em seu conteúdo e nos seus métodos, que explora como a arte e a alma humana são dilaceradas por um sistema tão podre que sequer se disfarça mais de "grandeza". O capitalismo, como uma entidade imortal, segue arrastando tudo o que toca para o abismo da irrelevância. E o que resta? A arte — que, no fim, ainda resiste, ainda luta, mas por quanto tempo? O filme deixa essa pergunta sem resposta. E isso é o mais aterrador.
Por Mauro Senna
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