Superman

 

James Gunn entrega ao espectador, ansioso pelo retorno do Homem de Aço às telas, um herói sorridente, moldado por uma nostalgia artificial e uma ideologia cuidadosamente suavizada. O resultado é visualmente atraente — mas emocionalmente raso.

Entre representar esperança e inspirá-la, o novo Superman de James Gunn parece cumprir apenas a primeira função. O filme alinha-se visualmente às expectativas dos fãs, mantendo uma narrativa segura — embora com algumas ousadias ao contrariar verdades estabelecidas desde as origens do personagem. No entanto, carece de densidade emocional. Trata-se de uma reinvenção que troca o conflito genuíno por um afeto calculado e, nesse processo, transforma o herói mais icônico da cultura pop em algo entre porta-voz de campanha institucional e símbolo idealizado de boa conduta — sem a complexidade necessária para sustentá-lo.

David Corenswet, em sua estreia como o Homem de Aço, entrega tudo o que se espera fisicamente de um Superman: simetria, presença, estética impecável. Mas por trás dos olhos azuis e do sorriso branco, há um vazio. Seu Superman parece um algoritmo com capa. Ele voa, salva civis, recita as falas corretas — mas permanece à margem da própria história, como quem interpreta um papel que ainda não lhe pertence.

A tentativa de James Gunn de devolver leveza ao personagem até poderia ser válida, não fosse conduzida com a mesma lógica de um refrigerante zero: sem açúcar, sem calorias e desconectada do sabor original. O filme parece sorrir o tempo todo para o espectador, mas raramente o toca de fato — não provoca, não desafia e, em boa parte do tempo, apenas incomoda.

Rachel Brosnahan entrega uma Lois Lane funcional, mas limitada por um arquétipo contemporâneo que confunde força com fala acelerada e figurino estilizado. Seu relacionamento com Clark Kent é estruturado como um manual de química romântica, mas carece de espontaneidade e verdadeira conexão. Já Nicholas Hoult interpreta um Lex Luthor que mais se assemelha a um executivo de startup em crise existencial do que a uma mente criminosa brilhante. Em vez de inspirar temor, sua presença desperta compaixão — e uma certa incredulidade.

O elenco de apoio — que inclui a Mulher-Gavião, o Senhor Incrível e um Lanterna Verde sem carisma — parece saído de um episódio-piloto de streaming cancelado antes mesmo de estrear. Gunn tenta formar uma espécie de “Gangue da Justiça” com personalidade própria, mas o resultado é um desfile de frases genéricas, figurinos bem produzidos e aparições tão rápidas quanto descartáveis.

E então vem o subtexto. Superman intervém em conflitos globais que combinam estética do Oriente Médio com sotaques vagamente russos, embalados em um discurso pró-imigrante e anti-imperialista que soa menos como posicionamento genuíno e mais como estratégia de marketing progressista. As populações locais, majoritariamente racializadas, olham para o herói branco com um misto de reverência e gratidão celestial — o que torna difícil ignorar o desconforto de um viés colonial, ainda que camuflado sob boas intenções.

No fim das contas, Superman não é um desastre. É algo mais frustrante: é esquecível. Um filme que tenta agradar a todos e, com isso, acaba dizendo muito pouco. A ação está presente. A estética, igualmente. Mas e a alma? Dissolve-se junto com qualquer tentativa real de profundidade. O filme decola, mas não mantém um voo estável — paira sobre o mundo com a leveza de quem teme arriscar. E, ao evitar o erro, pousa diretamente no terreno da decepção.

Para quem busca um Superman sorridente em meio à destruição urbana, lutas explosivas e piadinhas em série, o filme é um prato cheio. Mas para quem esperava sentir algo, sobra apenas o brinde no fundo da caixa de cereal — e a constatação amarga de que, às vezes, prometer demais é o caminho mais curto para entregar de menos

Por Mauro Senna


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