Jurassic World: Recomeço
Se há uma característica que distingue Gareth Edwards como diretor, é sua capacidade de construir cenas grandiosas com forte apelo visual, sempre proporcionais à escala de seus filmes. No entanto, em Jurassic World: Recomeço, essa habilidade parece diluir-se em um projeto apático, resultando em um espetáculo sem alma. O que poderia ser uma produção memorável se dissipa, como se a essência que tornou os dinossauros e sua mitologia tão fascinantes nas últimas décadas tivesse simplesmente desaparecido.
Com sete filmes em seu legado, a franquia Jurassic Park sempre funcionou como uma plataforma para discutir dilemas éticos sobre manipulação genética e os limites do poder humano ao brincar de Deus. A célebre reflexão — “Eu teria, deveria ter, poderia ter” — expressa com precisão a tensão entre possibilidade e responsabilidade científica. Em Recomeço, porém, essa premissa se dilui em um enredo de sobrevivência previsível, incapaz de propor algo novo ou relevante. O filme tenta se reinventar, mas carece de propósito claro, tornando questionável o valor de mais um retorno a um conceito já esgotado.
A trama segue o modelo clássico da franquia: personagens em fuga de dinossauros, desta vez com a já conhecida presença infantil como elemento emocional e narrativo. No entanto, o que poderia ser uma releitura se revela apenas como repetição. O filme recicla abertamente ideias de Jurassic Park III — um capítulo controverso da saga, que, embora longe de ser unanimidade entre crítica e público, ao menos apresentava elementos peculiares e, de certo modo, cativantes. Mesmo o insólito momento em que um velociraptor articula o nome “Alan” permanece mais memorável do que qualquer tentativa de originalidade em Recomeço, que replica a fórmula de 2001 sem sua energia ou identidade.
Mais do que uma continuação, Recomeço tenta se posicionar como um novo ponto de partida para a franquia — tentativa que se desfaz logo nos primeiros momentos. A ausência dos protagonistas tradicionais, embora evite repetições desgastadas, resulta em um vazio que os novos personagens não conseguem preencher. As referências aos filmes anteriores surgem como acenos à nostalgia, mas soam superficiais, limitando-se a agradar fãs antigos sem explorar os dilemas centrais da série ou propor um real avanço narrativo.
O conceito de um mundo em que os dinossauros já não provocam o mesmo assombro de antes é, em si, interessante e cheio de possibilidades. A presença dessas criaturas, que outrora dominaram o planeta mas agora se tornaram figuras raras e quase banais, poderia evocar reflexões sobre o esgotamento do nosso apetite por novidade e a efemeridade do encantamento. No entanto, em vez de desenvolver essa perspectiva com densidade filosófica ou sensibilidade poética, Recomeço a reduz a mero cenário para uma trama rasa de conspiração farmacêutica e caça ao tesouro — insuficiente para sustentar o filme por conta própria.
Com um orçamento de US$ 180 milhões, Recomeço decepciona também no que deveria ser um de seus pontos fortes: os efeitos visuais. Embora conte com cenas potencialmente deslumbrantes — como a aparição de um titanossauro gigante ou uma perseguição aquática envolvendo um T. rex —, essas sequências carecem do fascínio que os dinossauros outrora despertavam. A impressionante simbiose entre personagens e criaturas pré-históricas, marca registrada da franquia, dá lugar a interações previsíveis e artificiais, muitas vezes limitadas a performances diante de fundos digitais genéricos.
Os personagens, por sua vez, padecem da falta de desenvolvimento. Scarlett Johansson, apesar de seu talento inquestionável, não consegue imprimir autenticidade à personagem Zora Bennett, que transita entre a pragmática mercenária e a heroína redimida sem qualquer sustentação emocional. Mahershala Ali, outro nome de peso no elenco, interpreta um papel que parece subaproveitado, sem a densidade dramática que sua presença poderia oferecer. Já coadjuvantes como o Dr. Henry Loomis e a família Delgado pouco acrescentam à narrativa, contribuindo para a previsibilidade da jornada.
A maior decepção de Recomeço reside justamente na oportunidade desperdiçada de renovar a franquia com coragem e inventividade. A possibilidade de substituir o familiar pelo inovador, de expandir a narrativa ou de explorar com mais ousadia os dilemas éticos ligados ao renascimento dos dinossauros é rapidamente abandonada em nome de uma fórmula segura, repetitiva e sem ambição.
Embora Recomeço não seja o ponto mais baixo da franquia — lugar ainda ocupado por Jurassic World: Domínio —, certamente se aproxima perigosamente desse patamar. A falta de paixão e inovação transforma o filme em uma repetição sem identidade, uma sombra pálida do que já foi uma saga capaz de fascinar e provocar reflexão. Ao final, o que se apresenta como um “recomeço” soa mais como uma tentativa hesitante de reviver algo que, há muito, dá sinais de esgotamento.
Fica a pergunta: será que a franquia não deveria ter sido encerrada antes que seu último sopro vital se perdesse por completo? Em vez de revitalizar a saga, Recomeço nos lembra que, às vezes, preservar o passado é a forma mais digna de honrá-lo.
Por Mauro Senna
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