"Lilo & Stitch" (live-action)

 

Mais de duas décadas após sua estreia original, Lilo & Stitch continua sendo uma jóia reluzente no cofre animado da Disney. A história de uma menina havaiana cheia de personalidade e seu novo melhor amigo, um experimento alienígena destrutivo e adoravelmente fora de controle, permanece um marco no que diz respeito a unir humor, afeto e melancolia em um só pacote. Não é qualquer filme infantil que começa com um julgamento intergaláctico e termina com uma profunda lição sobre perda, pertencimento e amor incondicional — tudo isso embalado em Elvis Presley e explosões cartunescas.

Com o remake live-action de 2025, dirigido por Dean Fleischer Camp, a Disney tenta capturar essa mesma energia caótica e sensível — e, em muitos momentos, chega bem perto. O coração da história está lá, batendo forte: ohana ainda significa família, e família ainda significa que ninguém é deixado para trás ou esquecido.

A ambientação havaiana continua a ser um sopro de ar fresco, e a escalação é um dos maiores acertos do filme. Maia Kealoha, como Lilo, é um verdadeiro achado: ela traduz a inquietude, a solidão e a força da personagem com uma espontaneidade que poucos atores mirins conseguem alcançar. Sydney Elizebeth Agudong, como Nani, carrega nos ombros as dores silenciosas de uma jovem tentando ser mãe e irmã ao mesmo tempo, sem nunca perder a ternura. A química entre as duas é palpável e genuína, mesmo quando o caos alienígena invade a tela.

A recriação de Stitch (mais uma vez dublado por Chris Sanders) é um ponto sensível. O CGI acerta em tornar o personagem visualmente expressivo, mas nem sempre consegue integrar bem essa criatura à realidade física ao seu redor. Ainda assim, sua presença mantém o charme — só que agora com uma pitada de estranheza inevitável, típica de tantos híbridos digitais do cinema moderno.

Os personagens secundários, especialmente Zach Galifianakis como o cientista Jumba e Billy Magnussen como o hilário Pleakley, são adições bem-vindas que trazem humor e excentricidade sem quebrar o tom emocional da narrativa. E há momentos em que o filme brilha ao lembrar que, mesmo no meio do absurdo cósmico, o que importa é a conexão humana — ou interespécie, no caso.

Dito isso, é impossível ignorar que a transição da animação para o live-action cobra um preço. Parte da magia original está na liberdade visual e emocional que a animação permite: o surreal se encaixa naturalmente, o absurdo se torna poético, e um alienígena azul com quatro braços pode, com alguma facilidade, passar por um cachorro (mais ou menos). No formato realista, algumas dessas licenças poéticas soam deslocadas. A gravidade do mundo "real" pesa mais, e com ela vem uma consciência quase adulta das dificuldades vividas por Nani e Lilo — contas, riscos sociais, e a ameaça muito concreta da separação familiar. Onde a animação era uma espécie de abraço quentinho em meio ao caos, o live-action às vezes parece uma visita ao cartório com trilha sonora fofa.

Ainda assim, é louvável que o filme não tente suavizar suas temáticas em nome do entretenimento. Ao contrário, ele respeita a inteligência emocional de seu público, infantil ou não. Isso é algo que o remake faz com honestidade: não disfarça as dores da vida, mas também não desiste da beleza de enfrentá-las junto com quem se ama.

A versão 2025 de Lilo & Stitch não substitui a original, mas tampouco precisa. Ela oferece um novo olhar — mais realista, mais contido em alguns aspectos, mas ainda profundamente comprometido com a mensagem que fez do filme um clássico: laços verdadeiros se formam nas circunstâncias mais improváveis, e o amor, mesmo vindo de uma menina solitária e um monstro azul do espaço, pode salvar tudo.

É uma versão imperfeita, sim. Mas também é sincera, cheia de coração — e, tal como Stitch, talvez seja justamente sua estranheza que nos faça gostar dela um pouco mais do que esperávamos.

Por Mauro Senna


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