Um Completo Desconhecido
“Um Completo Desconhecido” – um título que ressoa com ironia afiada – é uma tentativa de desenterrar as camadas mais íntimas e densas de Bob Dylan, mas que, no fim, falha em explorar de fato o homem por trás do mito. James Mangold, conhecido por sua habilidade em adaptações biográficas, conduz uma obra que flutua suavemente na superfície das águas turvas da história de um dos maiores enigmas da música, sem jamais se aprofundar nos abismos que poderiam revelar a verdadeira essência do intocável Dylan.
A premissa, por si só, é encantadora. O jovem Dylan, interpretado por Timothée Chalamet, chega a Nova York com seu violão e boné, pronto para conquistar o mundo – uma imagem promissora.
O filme avança até o épico momento do icônico Newport Folk Festival, onde a famosa “traição” de Dylan ao rock elétrico é apresentada. No entanto, esse episódio é tratado com a delicadeza de quem hesita em arranhar a superfície de uma revolução cultural – como se fosse o ponto culminante da trajetória de Dylan, quando, na verdade, a verdadeira essência de sua jornada reside na luta constante entre o artista e a personificação de sua própria lenda. As breves aparições de Joan Baez e Johnny Cash são pontuadas, mas se tornam quase inexpressivas, como se Dylan se reduzisse à sombra de figuras mais imponentes, deixando no ar a dúvida sobre o motivo de esses gigantes estarem apenas flanando simbolicamente no cenário.
Lamentavelmente, Mangold apresenta ao espectador uma produção estéril – uma réplica artificial de um projeto de sucesso internacional que se recusava a ser engaiolado. “Um Completo Desconhecido” falha ao ignorar o potencial grandioso da história, restringindo a ousadia ao limitar sua concepção cinematográfica a uma fórmula que mal atende às expectativas dos fãs do "Homero da cultura pop."
O que sobra é uma bela recriação estética da época, com a cinematografia de Phedon Papamichael e o design de produção que capturam a essência dos anos 60. Porém, enquanto tudo isso é, no máximo, bonito de se ver e digno de aplausos discretos, assistir ao filme se assemelha a ouvir um disco de Dylan sem o vinil, sem os ruídos característicos da agulha e sem o groove. A poesia está lá, mas é uma poesia na qual não se sente as palavras. E, de fato, talvez a maior homenagem que Mangold presta a Dylan seja nos fazer lembrar de algo que ele sempre soube fazer: permanecer inatingível.
Para aqueles que esperam no filme uma tentativa de compreender a essência de Dylan, a resposta está no título “Um Completo Desconhecido”. No entanto, ao contrário da promessa de uma busca por algo real e visceral, o filme oferece uma experiência que pode ser descrita como uma lente embaçada, através da qual é possível observar a lenda, mas nunca o homem por trás dela. E, francamente, talvez isso seja tudo o que teremos dele: um enigma gloriosamente evasivo.
Por Mauro Senna
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